Resenha Crítica do Livro Memórias do Cárcere
RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. 32ªed.Rio de Janeiro: Record, 1996. Volume I: 378p. Volume II: 319p.
Nascido no Estado das Alagoas em 27 de outubro de 1892, Graciliano Ramos, foi um dos grandes expoentes literários do período modernista. Seu primeiro romance, "Caetés", publicado em 1933 dá início a uma carreira de escritor romancista, muitas vezes, subestimada pelo próprio Graciliano. Neste mesmo ano é nomeado diretor da Instituição pública de Alagoas. Escreveu também "São Bernardo" (1934), "Angústia" (1936), "Vidas Secas" (1938), entre outras. Em 1936 é demitido e preso sob a acusação de ser comunista, fato que transformou completamente sua vida e que serviu de fonte para mais uma obra, "Memórias do Cárcere".
Editado em 1953 em quatro volumes numa edição póstuma, Memórias do Cárcere relata o período em que Graciliano Ramos fica preso. O primeiro capítulo trata de uma justificativa e até mesmo uma explicação para aquela publicação (ou para a resistência em escrevê-la). É percebido as inseguranças e as dificuldades que o autor predispunha, uma vez que, passados dez anos de sua prisão e não conservando relatos escritos e também por envolver nomes de terceiros, tornava-se tarefa não muito fácil. Mas apesar das objeções impostas por ele, mesmo assim, admitia a liberdade que possuía para escrever o romance. (...) Posso andar para a direita e para a esquerda como um vagabundo, deter-me em longas paradas, saltar passagens desprovidas de interesse, passear, correr, voltar a lugares conhecidos. Omitirei acontecimentos essenciais ou mencioná-los-ei de relance, como se os enxergasse pelos vidros pequenos de um binóculo; ampliarei insignificâncias, repetidas até cansar, se isto me parecer conveniente.
Trabalhando como funcionário público em Maceió e no seu novo romance, fora surpreendido com a notícia de que seria preso. Aquilo mais lhe parecia um grande equívoco, e que passou a tratar com desdém quando uma parente veio informar-lhe que naquela tarde (13 de março de 1936) a polícia o encaminharia para detenção. Talvez não achasse suas idéias tão reacionárias, ou mesmo, ameaçadoras para o regime, o que lhe conferiu uma certa tranqüilidade em relação a sua prisão. Ingenuidade de sua parte ou não, pensava que em uma semana tudo estaria resolvido e esclarecido. Sua antipatia pela burguesia e pelo capitalismo assim como pelo exército era evidente. Após preparar uma pequena valise, prostrou-se a esperar pelo grande momento, que se transformaria no grande inferno de sua vida. Fora levado para o quartel do 20° Batalhão, de onde já estivera em 1930, quando se envolvera numa conspiração com um coronel, um major e um comandante de polícia. Nada lhe informaram. Nenhuma explicação, nenhuma acusação. Depois é conduzido para Recife, ficando preso por algum tempo num quartel general, junto com o Capitão Mata.
Sua perplexidade se revelara pelo fato de não saber exatamente o motivo de sua prisão. A cada lugar que era transferido, nada sabia o que poderia acontecer. Esses períodos de angústia são descritos pelo autor de forma bastante minuciosa. Graciliano, mostra-se bastante descritivo. Os locais, as pessoas, os comportamentos não escaparam aos seus olhos, chegando mesmo a cometer pequenas digressões.
O período em que esteve preso no Recife foi suficiente para fazer grande amizade, Capitão Lobo. Mas sua estadia não seria por muito tempo. Outra vez sem obter explicações é transferido. Apesar de suas minuciosas descrições, ocorre em determinados momentos uma imprecisão temporal e espacial, principalmente quando relata sua transferência para o Rio no porão do navio Manaus, sendo possível ao leitor identificar o local depois de muitas descrições do autor. Talvez uma certa objetividade que é substituída pelo excesso descritivo, tornasse menos disperso a leitura.
Foram momentos de grande provação pelo qual Graciliano e todos os seus companheiros de cárcere vivenciaram naquele porão. As humilhações e as condições precárias de higiene transformavam o ambiente num local incapaz de alojar seres humanos. O vício foi o grande companheiro de Graciliano. A compulsão pelo fumo, talvez tenha sido o alicerce que o sustentou e deu forças para que continuasse vivo em meio a tantos horrores. O fastio o acompanhou por todo o período em que esteve no porão do navio, o que acabou ocasionando grandes problemas de saúde.
A viagem no Manaus e a colônia correcional representam um dos grandes momentos do livro. Os relatos dos sofrimentos, as condições que eram tratados, a falta de higiene, a péssima alimentação, condições mais do que subumana registram um momento de nossa história que poucos têm acesso. Memórias do Cárcere apesar de não abandonar uma conotação ficcionista em determinados momentos, serve de grande fonte documental para que se possa ao menos ter uma noção do que representou o período que antecedera a implantação do Estado Novo (1937 – 1945) e efetivamente a política que se instalou.
Chegando ao Rio de Janeiro, suposições de que seriam transferidos para a colônia correcional de Dois Rios na Ilha Grande aterrorizavam os tripulantes que forçosamente faziam aquela viagem. Graciliano e alguns de seus companheiros, como de praxe, sem nada saber, foram levados à Casa de Detenção para o pavilhão dos primários. Contatos com novos presos além daqueles conhecidos do porão do Manaus. Alguns famosos como Nise da Silveira, Olga Prestes. A repressão política não fazia distinção de classe social. Todos que de alguma forma pudessem contribuir para desvirtuar, ou seja, promover idéias comunistas não escapariam.
Entre 1932 e 1935 as agitações esquerdistas começavam a tomar corpo. Formavam-se grupos paramilitares apoiados pelos integralistas que agiam com violência para dissolver as manifestações esquerdistas. Em reação surge a formação da frente antiintegralista com a Aliança Nacional Libertadora (ANL), tendo como presidente Luís Carlos Prestes. O próprio presidente Getúlio Vargas, a fim de fortalecer o seu poder, serviu-se da ANL, mas depois, através da intervenção policial, invadiu suas sedes e mandou prender seus líderes. Enfim, impediu a atuação da ANL dentro da legalidade, forçando-a a passar para a clandestinidade.
Muitos dos que ali estavam pertenciam a Aliança Nacional Libertadora e haviam participado das rebeliões de 23 de novembro de 1935 em Natal e do dia 25 em Recife e Olinda. Mas também, muitos que se julgavam inocentes e não tinham a menor noção do crime que houvera cometido.
Apesar das privações imposta pelo cárcere, a alienação não se fazia presente. As discussões políticas e informações estavam sempre circulando clandestinamente pelos corredores, células do pavilhão. À noite cedia lugar ao programa da Rádio Libertadora iniciando sempre com o Hino do brasileiro Pobre. Era a grande difusora das informações sobre o governo e a situação dos presos políticos. Uma coisa não fica clara quanto a forma com que essas notícias chegavam aos detentos, mas decerto contribuíam para deixa-los a par do que acontecia lá fora.
A aceitação para determinados acontecimentos também não era tão pacífica, vez ou outra algumas rebeliões como forma de protesto tencionavam no pavilhão dos primários. As condições em que aqueles homens estavam sujeitos condicionaram a hábitos que Graciliano os julgavam inaceitáveis, mas passível de compreensão. As minhas conclusões eram na verdade incompletas e movediças. Faltava-me examinar aqueles homens, buscar transpor as barreiras que me separavam deles, vencer este nojo exagerado, sondar-lhes o íntimo, achar lá dentro coisa superior às combinações frias da inteligência. Provisoriamente, segurava-me a estas. Porque desprezá-los ou condená-los?
O autor está sempre expondo suas opiniões, mesmo que em determinados momentos possam parecer preconceituoso, prevalecendo uma autenticidade. A forma escrita carregado de termos regionais também torna uma marca característica de Graciliano.
Novas angústias passam a recair sobre os detentos. Dá-se início a transferências de alguns presos. Rumores de liberdade ou de transferência para a tão temida colônia correcional? Graciliano já não goza de boa saúde e está bastante debilitado. A remoção para a colônia faz reviver o retorno ao inferno com uma diferença., o local. Não se tratava mais do porão do navio, mas as condições se assemelhavam. Agora estaria em contato também com marginais de verdade.
Longo período se passou até que em 3 de janeiro de 1937, ano em que ocorreria o Golpe de Estado, fora libertado sem processo regular.
Graciliano não consegue concluir sua obra, faltava apenas um capítulo destas memórias quando faleceu. Apesar de trabalhar muito lento, não fazia interrupções, até que se interessara pela oportunidade de produzir um novo livro, levando-o a abandonar por algum tempo a obra quase terminada. Mencionava constantemente a necessidade de revisão. Quanto ao título não importava, "Memórias do Cárcere" ou simplesmente "Cadeia". A escolha viria com o tempo. A obra caracteriza-se principalmente pelo caráter memorialístico. Suas anotações se perderam e suas fontes se restringiram somente as recordações de sua vivência.
Memórias do Cárcere tem uma grande importância não só literária mas histórica também. Não representa somente a memória do autor e sim de um período marcado por perseguições políticas, censuras (...) punições para qualquer manifestação de oposição, repressão e demissões dos não "ajustados" à linha oficial, tribunais arbitrários e cárceres (...) autoritarismo de toda espécie validados por um difuso conceito de segurança.
As descrições dos locais, das pessoas, dos momentos e situações vividas e presenciadas induz o leitor em determinados momentos sentir de forma indireta o que está sendo relatado. Mais do que memórias, são registros que permitem as futuras gerações, mesmo que superficialmente, reter um conhecimento das arbitrariedades provocadas pala ditadura.
Sua insistência em desprezar suas obras "um desastre" ou "uma encrenca" não representa veracidade para quem pela primeira vez tem contato com alguma delas. Mas como o próprio autor confirma, (...) somos uns animais diferentes dos outros, provavelmente inferiores aos outros, duma sensibilidade excessiva, duma vaidade imensa que nos afasta dos que não são doentes como nós. Mesmo os que são doentes, os degenerados que escrevem história fiada, nem sempre nos inspiram simpatia: é necessário que a doença que nos ataca atinja outros com igual intensidade para que vejamos neles um irmão e lhes mostremos as nossas chagas, isto é, os nossos manuscritos, as nossas misérias, que publicamos cauterizadas, alteradas em conformidade com a técnica.
Esta é uma obra que não tem um público alvo específico ficando aberta para todos aqueles que tenham interesse pela literatura brasileira. Torna-se essencial para estudantes, seja secundaristas, vestibulandos e universitários, principalmente para os cursos de história e letras. Graciliano Ramos e uma gama de grandes nomes de nossa literatura devem sempre estar fazendo parte da vida cotidiana das pessoas, seja para fins acadêmicos, culturais ou por simples entretenimento.
http://analgesi.co.cc/html/t2677.html
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