terça-feira, 12 de março de 2013

Literatura Sul-mato-grossense

Reflexões da Profª Zélia R. Nolasco responde à questão de como pensar em uma literatura e uma identidade sul-mato-grossense, se a pouco tempo, existia um só: o Estado de Mato Grosso. Transcrevo o trecho em que a Profª Zélia reflete sobre literatura e identidade sul-mato-grossense.


Literatura sul-mato-grossense: reflexões

Zélia R. Nolasco

*O estudo de literatura é compreendido como uma grande reserva de cultura e também como ideal de formação humana, daí o fato de ressaltar que o professor de literatura era visto como um "professor de civilização". Desse modo, refletir sobre literatura e identidade sul-mato-grossense é reforçar que o conhecimento literário produzido historicamente ocupa na prática cultural um lugar de privilégio, pois se coloca como objeto de interrogação, de dúvida e de pesquisa. Diante disso, como pensar em uma literatura e uma identidade sul-mato-grossense, se a pouco tempo, existia um só: o Estado de Mato Grosso?

Com a criação do Estado de Mato Grosso do Sul, no ano de 1977, observa-se o início de uma busca desesperada por uma identidade. Ao analisarmos esse movimento, parece-nos que uma decisão que foi tomada pensando na afirmação de um povo, simplesmente, tomou o caminho oposto, passando a negar esse mesmo povo. Ou ainda, e o mais provável é que esse mesmo povo tenha se sentido negado, passando a ser um corpo estranho em sua própria terra. É como se de repente, a população do Estado tivesse perdido o chão simbólico que já existia e tudo tivesse ficado para o outro, o antigo, o Estado de Mato Grosso, o que permaneceu com a tradição histórica e literária, pelo menos na concepção de alguns. Sendo assim, o novo Estado de Mato Grosso do Sul teria que criar ou recriar uma nova identidade para o seu povo?. Temos duas possibilidades de análise. Em primeiro lugar, se formos pela concepção de que o Estado é um recém-nascido, realmente, a opção será a de criar uma identidade, uma história e também uma cultura. Em segundo lugar, se a concepção for a de que o Estado apenas foi dividido em partes distintas: Sul e Norte, não há porque criar aquilo que o povo já tem, pois o fato de ter o seu território dividido não quer dizer que tenha deixado de existir, que tenha perdido sua história, sua cultura, sua memória.

A segunda possibilidade parece-me a mais sensata, não vejo motivos para que os sul-mato-grossenses tenham tamanha crise de identidade. Até porque os aspectos históricos culturais e identitários não se mudam simplesmente por uma decisão político-administrativa. Acredito que essa preocupação e crise de identidade fazem parte do mundo de algumas pessoas, principalmente, daquelas que no momento da divisão do então Estado de Mato Grosso já tinham mais que vinte anos. Faço essa afirmação, pois conforme Melchior de Vogué: "O século começa sempre para os que têm vinte anos" (VOGUÉ, 1950, p.43). De repente, aí está a explicação: as pessoas com mais idade se sentiram desterradas com a divisão do Estado enquanto que esse sentimento não é perceptível entre as pessoas mais jovens, elas não apresentam essa crise de identidade, simplesmente, são sul-mato-grossenses.

Aliás, na busca por uma afirmação da cultura e da literatura sul-mato-grossense estão duas reivindicações: uma, do Conselho Estadual de Educação do MS, Parecer nº. 235/2006, sobre a inserção da cultura sul-mato-grossense na Educação Básica do Sistema Estadual de Ensino; a outra, uma audiência pública: A literatura sul-mato-grossense, na Câmara Municipal de Dourados, no dia vinte e três de outubro de 2009, para se discutir o ensino da mesma nas escolas da rede pública. Mas, bem sabemos que: "Uma identidade nunca é dada, recebida ou atingida" (DERRIDA, 1996, p.53). Logo, por mais que a cultura e a literatura sul-mato-grossense sejam estudadas e divulgadas nas escolas, isso não fará com que os estudantes se sintam mais sul-mato-grossenses em função disso. Se bem que o que está embutido, principalmente, na segunda reivindicação, é a publicação de escritores e a produção de um mercado para os livros aqui produzidos com incentivo do Governo do Estado e, também, a criação de uma disciplina de literatura sul-mato-grossense.

O investimento em cultura é sempre muito positivo e a literatura é a mais viva expressão cultural de um povo. Porém, é importante ficarmos atentos a essa última proposta, pois ao criarmos uma disciplina de literatura sul-mato-grossense, abre-se a possibilidade de que seja criada também uma disciplina de literatura paulista, outra de literatura paranaense, outra de literatura gaúcha, e assim, sucessivamente, cada Estado com sua literatura. Já imaginaram, no caso do MS, se cada imigrante que aqui se encontra quiser que a sua literatura de origem seja ministrada nas escolas para seus filhos? Será que não estamos caminhando para um apartheid literário/cultural? Será que estudar os escritores regionais dentro da disciplina de Literatura Brasileira não basta? Enfim, o que move o mundo são as perguntas e não as respostas, mas um bom caminho para encontrá-las é através da leitura.




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